urano

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Apertei a caneta preta entre os meus dedos com força. Mordi meu lábio, na tentativa de evitar um grito estridente. A dor se espalhou por todo o meu crânio fazendo-me gemer. Meus olhos já se enchiam de água, enquanto eu era torturada pela dor aguda.

Continuei a escrever. As letras tortuosas, uma caligrafia terrível.

Mas nada disso me importava agora.

... Eu não tenho a certeza de que o senhor lerá esta carta, mas eu lhe peço que, por favor, não me abandone agora... 

Uma gota de suor escorreu pelas minhas têmporas, logo a enxuguei.
Meu corpo estava quente. 

— Mackenzie? — a porta fora aberta, revelando a dona da voz fina que me chamara há alguns segundos.

Coloquei o pedaço de papel embaixo do meu travesseiro, em uma agilidade desconhecida por mim. Joguei a caneta para um canto qualquer do quarto.

— O que estava aprontando? — perguntou com frieza, se aproximando de mim e pondo as mãos na minha testa.

— Nada. — murmurei com dificuldade e virei meu rosto para encarar a janela trancada.

— Você está quente. — tirou suas mãos do meu rosto, caminhou até a cômoda abrindo a primeira gaveta para retirar um termômetro. — Vou colocar isso em você para ter certeza.
Levantei meu braço esquerdo para que ela pudesse colocá-lo.
— Minha cabeça dói. — sussurrei. Ela deu de ombros, desinteressada.

— É consequência da febre. — quando já estava a um passo fora do quarto, falou: — Durma um pouco.

Sua voz não soara nem um tanto preocupada ou carinhosa. Foi mais uma ordem.

A luz do quarto fora apagada e eu me encontrei sozinha nele, como costume.

Não senti a necessidade de terminar de escrever minha carta agora, pois meus olhos já pesavam – por eu não ter dormido noite passada, já que a tosse incessante me impediu -.

Eu nem percebi quando fechei meus olhos, mas ainda sentia o frio da ponta metálica do termômetro tocando minha pele. Retirei o objeto e o olhei.

39° graus de febre.

Eu queria vomitar.

△△△ Uranus

Ao acordar, já não me sentia mais assim tão mal. A dor ainda me perseguia. Todos os meus membros estavam doloridos, por isso não me esforcei para levantar da cama.

Não sabia que horas eram. Muito menos quanto tempo havia dormido.

Tateei pelo pedaço de papel, aonde havia escrito minha carta improvisada. Depois de bastante procurar o encontrei meio amassado, porém ainda legível.

Reli a carta.

Caro Senhor,
Olá! Desculpe-me por fazê-lo perder seu tempo lendo isso, mas acontece que eu sinto sua falta. Quer dizer, falta de suas cartas. De suas conversas, das suas distrações. Por que parou, uh? Deixei de ser interessante para você, ou você encontrou outra para conversar cara a cara e me esqueceu? Ou, na pior das hipóteses, morreu? Espero que esteja bem. E que este “desaparecimento” seja passageiro e que logo voltemos a nos comunicarmos, sim?
Banhei a carta com o meu perfume favorito. Queria que sentisse meu cheiro... Ao menos era. Não me perfumo mais, este aroma não me pertence mais. Perdi minha vaidade há tempos... Por que sabe... Estou doente. Minhas tias estão cuidando de mim (ou pelo menos tratando minha doença porque elas não me tratam bem) e eu não sei quando poderia ser feliz novamente. É um inferno! Estou presa no meu próprio quarto, com as janelas trancadas. Estou pálida, há muito tempo que não sinto o sol. E ontem ardia em febre.
Quero ter minha vida de volta. Quero minha liberdade. Não quero viver como prisioneira. E somente você sabia me alegrar nestes momentos ruins, apesar de não nos conhecermos realmente, sinto sua falta. Eu não tenho a certeza de que o senhor lerá esta carta, mas eu lhe peço que, por favor, não me abandone agora.
OBS: Sei que pediu para não chama-lo de senhor ou escrever tão formalmente assim. Desculpe-me, eu não consigo.

C. M.
Terminei de escrever e acabei sorrindo.

Estranho.

Lembro-me como foi o dia em que acidentalmente recebi, e com receber quero dizer ‘peguei escondido na caixa de correspondência’, a carta deste estranho que assina como “C. M.”, exatamente como minhas iniciais.

Nela ele perguntava coisas banais, mas que por algum motivo me alegram e por outro motivo mais estranho ainda me fez respondê-lo. Há cerca de três meses que conversamos, mas nas últimas semanas parou de me escrever. Logo quando adoeci e que precisava do apoio de alguém, mesmo que de um estranho.

A carta já estava finalizada e agora só precisava ser entregue.

Ai vem a parte difícil.
2014 ou 2015, provavelmente. até hoje eu não sei o que era para isso ser, mas vamos aceitar essa história pelo o que ela é. 

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