Monólogo de improviso no banheiro ou sobre rompimentos e pessoas filhas da puta

Animated gif about gif in anime|manga by Coldwave of May

(MARIA vê a amiga sentada, ela se aproxima e se posiciona ao lado da amiga, ficando de frente para um espelho. Diante da amiga, estão varias fotos reveladas dela e de seu namorado. Duas lágrimas estão secando em ambos os lados da face de MARIA. A amiga está fumando e percebe a cara de choro de MARIA.) 

AMIGA: Você estava chorando? 

MARIA: (Olha para o espelho) Tá tudo bem... (Pausa) eu só... Tava aqui lembrando. (Ri sem graça) Desde o início da noite que eu to com essa sensação estranha. To sentindo falta. Não to conseguindo dormir. Acho que esse é o pior sentimento, sabe? Porque é a saudade, mas num to lembrando com carinho não. É a saudade com a realização de que tudo acabou. Não tem mais volta. Você lembra e percebe que não vai ter mais. Essa é uma das piores. (Ri de novo) Só não é pior do que eu sentia antes. Aquele aperto no peito. Eu podia tá quietinha, nem pensando em nada, mas a dor no peito tava ali para me lembrar de tudo. (Limpa o rosto com as mãos) Quando eu sinto raiva é até bom porque ai eu jogo tudo nele e não dou tanta importância. Mas quando bate a saudade e o carinho vem junto... ai é foda porque eu sinto falta de tudo. Dele, dos nossos momentos, das conversas. Me dá até vontade de olhar... a conversa. Não para ler, isso não. Só para a ver a foto de perfil mesmo, sabe? (Pausa, súbita irritação) Mas também para que, né? Eu fico com o sorrisinho no rosto só em lembrar das que ele falava: “To com saudades de você”, “To com saudades do teu beijo” e quando ele falava que tava louco para me foder. Mas me foder de um jeito bom. Com prazer. Não desse jeito aqui. E agora eu to aqui né, destruída, dilacerada por dentro enquanto ele deve estar lá, feliz, apaixonado. Junto dela. Porque nunca fui eu, né? Sempre foram outras. Sempre existiram outras. Mas eu ficava lá feliz quando recebia as mensagens, lembro da expectativa, do nervoso. Eu toda apaixonada e caindo nesse papinho de besta. Me mandando mensagem, perguntando como eu to, como se se importasse verdadeiramente comigo. Eu nunca pensei que ele estivesse apaixonado por mim e eu nunca exigi nada, mas toda vez ele vinha com a porra da mensagem. “Queria que a gente conversasse mais. Já que a gente não pode se ver. A gente pode conversar.” E naquele momento eu, eu pensei, eu acreditei que algo estivesse nascendo ali e se desenvolvendo e eu nem sei. Achei que... que algo estava se construindo. Aconteceu com todo mundo, né? Por que não pode acontecer comigo? Eu ficava nessa fantasia, mas no fundo, bem lá dentro tinha aquela voz que eu queria calar. Fingir que não existia. A voz que sabia da verdade. Por que... como que você fala isso para alguém e no dia seguinte desaparece? E quando eu ia atrás, porque eu sempre ia, fingia que nada tava acontecendo. “Oiii”, “ta tudo bem sim”. E eu ficava como? Maluca, né. Preocupada. Será que ele tá doente? Será que ele ta ocupado com a faculdade? Idiota, né. Mas eu acreditei porque ele me dizia. Sabe o que foi a nossa última conversa? Antes de tudo isso? Eu postei um negócio lá no status falando de saudade, nada específico né, mas ele sabia que era para ele tanto que concordou. Depois sumiu. E eu lá, ansiosa, sem saber o que tava acontecendo. Quando ele voltou, eu já sabia. Eu só queria que ele tivesse sido honesto comigo antes. Porque eu perguntei, sim. Perguntei varias vezes. “Por que você tá falando essas coisas? Porque você faz isso comigo?” Mas ele não falava nada e eu perdia a minha cabeça tentando entender. Ele se apaixonou, né. Como? Porque você não se apaixona sem conversar com ninguém, sem interagir, ninguém se apaixona sozinho. Ou será que ele acabou tudo comigo e não tá nem junto dessa menina? Piada, né. Piada. Mas eu to bem sim, viu? To bem sim. (Finalmente percebe as fotos da amiga com o namorado). Amanhã é o dia dos namorados, né não? (A amiga afirma com um momento de cabeça). Meus parabéns, viu.  (Pausa) Felicidades ao casal. 

MARIA sai. 

Meus artistas baianos favoritos

Viagem dos Sonhos: Salvador no carnaval! - Diversão - CAPRICHO

Sendo uma pessoa que cresceu com a cabeça totalmente afetada pelo racismo em todos os âmbitos possíveis, na maior parte da minha vida, eu consumi apenas músicas estado-unidenses. Muito por influência da minha irmã que possuía vários CDs piratas com músicas de Beyoncé, Shakira e Rihanna, eu cresci cercada por músicas da língua inglesa. Em partes isso foi bom para mim, pois me permitiu entrar em contato com a língua numa idade muito nova e aprender o idioma por conta própria. Em contrapartida, foi ruim, pois me fez crescer ignorando a minha própria cultura e identidade. 

Até 2012, eu só consumia o falecido gênero Teen Pop, com Selena Gomez e One Direction sendo os meus artistas favoritos. Em 2013, eu tive minha fase emo e gótica e escutei muito rock naquele ano e foi ai que meu interesse por músicas nacionais começou a crescer. Passei a escutar Legião Urbana, Los Hermanos e etc.. Em 2014 eu já tinha dropado essa identidade gótica e estava na minha fase conceitual, ouvindo artistas considerados “indie”, que de indie mesmo não tinham nada por serem extremamente mainstream. No final daquele ano, já tinha começado a ouvir k-pop e foi o meu gênero preferido até 2017, quando eu comecei a perder o interesse. 

Apesar de 2016 ter sido um dos anos mais importantes da minha vida em questão da construção de minha identidade, ali eu só estava começando a me enxergar. 2018 foi o ano que tudo realmente se firmou. Fiz amizades com pessoas maravilhosas que me apresentaram muita coisa nova e que redefiniram a pessoa que sou hoje. Por isso, apresento para vocês os meus artistas baianos favoritos.

A carta de Dorival Caymmi endereçada à Jorge Amado para eu ler quando estiver triste


“Jorge meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stela saiba, ela  sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.  Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível. Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos  por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de  uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta. Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna.  

O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro.  Cadê tempo pra pintar? 

Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha? Pois ontem, às quatro da tarde, um  pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres,  já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem  nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.

Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James  e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.

Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe  e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena,  como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho. A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.