o homem chamado Jorge


Resultado de imagem para steven universe gifs"

O HOMEM CHAMADO JORGE era um senhor grisalho e barbudo que sempre olhava Moara de cara feia quando ela ia ao café. Toda vez que a porta de vidro se abria e uma rajada de ar quente invadia o estabelecimento, o homem chamado Jorge direcionava o olhar para Moara e arqueava uma sobrancelha.
Na primeira vez que isso aconteceu, Moara sentiu-se intimidada. Ela congelou na porta, a mão hesitante sobre a maçaneta. Contudo, o homem chamado Jorge apenas suspirou, claramente desapontado e voltou a varrer o chão do pequeno café.
Aquele café não era novo, pelo contrário, localizava-se no primeiro andar de um antigo edifício residencial de 4 andares. Perdoem-me pelo exagero, mas o local estava em ruínas. As paredes, que um dia foram pintadas de verde, encontravam-se descascadas e desbotadas, marcadas por pichações aleatórias. As janelas, duas em cada andar, eram compridas e protegidas por grades brancas, também degradadas. A única coisa que denunciava que o local não estava totalmente abandonado era uma placa improvisada, pregada a parede junto à porta, onde lia-se “Café da Tia”.
Quando se deparou com o lugar pela primeira vez, Moara pensou duas vezes antes de entrar, com medo do prédio ser abandonado. No entanto, ela não tinha dinheiro e realmente precisava comer, então arriscou, respirou fundo e entrou.
Assim que abriu a porta, o aroma de café e bolo caseiro infiltraram-se em suas narinas e seu estômago roncou. O momento foi quebrado quando Moara notou que diante dela tinha um homem, duas vezes o seu tamanho, segurando uma vassoura e olhando fixamente para ela. Um crachá estava preso a sua blusa laranja, Moara leu: Jorge. Não sabia ao certo o que a expressão do homem chamado Jorge significava, mas ela só relaxou quando Jorge a ignorou e continuou a varrer o chão.
Os instintos de Moara disseram-lhe corra. Novamente, ela lembrou a si mesma: você é pobre e está com fome, então senta logo na merda desse café. E assim ela o fez e o faz todos os dias dos últimos 2 meses.
Naquele dia, o homem chamado Jorge estava atrás do balcão, enchendo um recipiente com pacotinhos de açúcar. Ele não parecia estar interessado no que acontecia ao redor. Não havia muitos clientes. Moara e uma senhora idosa eram as únicas ali. Moara estava sentando em sua mesa favorita, de frente à janela, batucando impacientemente o teclado do notebook e a senhora estava duas mesas atrás dela, bebendo café preto e lendo um jornal, mas Moara desconfiava que ela fosse apenas uma moradora do prédio sem ter muito o que fazer.
Para falar a verdade, desde que Moara passara a frequentar o café da Tia, ela nunca vira ninguém além da senhora idosa e outro moço dono de um sorriso simpático no lugar. Talvez isso explicasse o tédio constante do homem chamado Jorge.
Ela pegou sua agenda de dentro da mochila e escreveu com letra apressadas uma nota, preciso trazer meus amigos aqui. Guardou a agenda e voltou a batucar o teclado do notebook.
Vou admitir, naquele dia Moara estava especialmente nervosa.
É hoje! É hoje! É hoje!
Ele repetia incansavelmente, bebericava seu cappuccino e voltava a repetir. Na sua cabeça, as palavras já não faziam sentido e se perdiam na ponta de sua língua.
Merda, é realmente hoje! — ele disse entre um suspiro longo. Esfregou as mãos nas coxas e depois nos cabelos, mas nada conseguia acalmar sua ansiedade.
Por duas longas e torturantes semanas Moara rezou, desejou e fez de tudo para que este dia não chegasse, mas se tinha uma coisa que ela ainda não podia fazer era controlar o tempo, infelizmente. Agora, cá estava ela, se escondendo em um café no fim do mundo, como a pessoa madura que era.
O lugar não era só um café. Era o seu porto seguro, era o mais próximo a um lar. Ele lhe trazia um conforto inexplicável.
Suas mãos estavam trêmulas quando ela guardou suas coisas na mochila, seus passos eram lentos conforme se dirigia ao balcão. Sua aproximação despertou o homem chamado Jorge de sua realidade singular, ele largou os pacotes restantes de açúcar e olhou para Moara, o mesmo olhar questionador de sempre.
— Você sabe quanto ficou. — murmurou seco, olhando por cima dos ombros de Moara. Só por curiosidade (ou talvez para perder tempo), Moara virou-se para a direção que o homem chamado Jorge olhava. Era a senhora idosa. Ela dobrava o jornal lentamente como se possuísse todo o tempo do mundo em seus dedos.
Moara gostaria de ter esse privilégio. 
O homem chamado Jorge pigarreou e Moara sentiu-se envergonhada. Virou o corpo de volta e retirou o dinheiro da carteira, entregando-o à Jorge. Por um momento, ela permaneceu parada, encarando o homem chamado Jorge como se seu rosto velho e barbudo fosse a obra de arte mais fascinante que já vira. Sair dali não precisava ser uma opção.
O homem chamado Jorge arqueou a sobrancelha direita, encarou Moara de cima a baixo e suspirou. O mesmo suspiro decepcionado. Isso fez o corpo de Moara tremer. A expressão do homem chamado Jorge relaxou e ele deu as costas, indo pegar a vassoura. Moara continuou a olhar o espaço vazio.
A porta fez um barulho. Institivamente, Moara virou-se para ela. A senhora se fora, mas o jornal estava sobre a mesa. Ele deveria ir também.
O homem chamado Jorge varria o chão, estava de volta ao seu mundinho.
Moara olhou a porta de vidro, a rua estava vazia. Nenhum sinal de movimentação.
— Muito bem. — Moara suspirou e finalmente suas pernas responderam ao comando, indo em direção a saída.
— Boa sorte, criança. — as palavras curtas do homem chamado Jorge a fizeram congelar. Ele parou e um sorriso formou-se em seus lábios. Moara ficou sem entender por alguns segundos. — Boa sorte com a vida.
Moara sorriu e o deu as costas, a sua última ação sendo um último suspiro longo. 
Está na hora de crescer.

mais um da série trabalhos inacabados, levemente inspirado no personagem "O homem chamado Jack" do "O livro do cemitério"  :)

Nenhum comentário:

Postar um comentário