deixa a chuva cair.

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Naquele fim de tarde, a chuva estava tão intensa que era quase impossível para Sehun ver através das gotas de água. Ele, completamente encharcado, protegia-se com um jornal que segurava sobre a cabeça enquanto espremia os olhos na tentativa de visualizar o carro de seu melhor amigo na estrada pouco movimentada.

Ele voltava para casa após um dia longo na faculdade cheio de cálculos e provas. Contudo, no meio do caminho, foi surpreendido pela chuva que não cessou desde então. E não teve onde esconder-se, todos as lojas da avenida estavam fechadas e o ponto de ônibus encontrava-se longe demais, por isso, teve que se contentar com a porta de uma mercearia que mal o abrigava, xingando-se por 5 minutos por ter escolhido não pegar o ônibus. “São só 20 minutos de caminhada”, ele murmurou para si mesmo, irritado.

É verdade. O percurso da faculdade até seu apartamento é curto e ele, se distraindo facilmente com a paisagem, quase não nota o tempo passar. Mas, naquela tarde, ele deveria ter desconfiado do céu carregado. “É só uma nuvem chata”, murmurou novamente, em uma péssima e afinada versão de sua própria voz.

Sehun sentia frio e ele temia ficar doente justamente na semana final de provas do semestre. Ah, que raiva que sentia! Ele já estava parado ali, na porta da mercearia há horas (tudo bem, ele é um pouco exagerado), mas que ele estava ali há um bom tempo, isso é certeza.

Ele pensou que ficaria apenas por um tempinho até a chuva passar. No entanto, a maldita não passava! Por isso, deu o braço a torcer e resolveu pedir ajuda ao seu vizinho e melhor amigo Byun Baekhyun, que acabara de ganhar um carro de presente do pai por razão alguma. Baekhyun, como o preguiçoso que era, resmungou por uns bons 5 minutos até ceder e aceitar ir busca-lo. Porém, desde que ligara há 15 minutos, muitos carros passavam pela estrada e nenhum deles era o dele! Sehun não sabia o que ele tinha mais vontade: se era se matar por não confiar em suas intuições ou por confiar no Baekhyun.

Resolveu esperar um pouco mais, mas já começava a se indagar se não era melhor ir andando para casa, já que estava encharcado mesmo.

Mas ele esperou. E esperou. Observou o semáforo mudar de cor infinitas vezes, até que estagnou no sinal vermelho e foi nesse instante que a sedã preta parou, bem em frente a ele.

O motorista não buzinou nem nada, mas Sehun não quis saber, ele apenas amassou o jornal, colocou a mochila nas costas e foi andando até o carro. A porta já estava destrancada e ele entrou, simplesmente.

— Por que você demorou tanto? — ele perguntou ao fechar a porta.

O motorista usava fones de ouvido e parecia concentrado no celular, ele elevou os olhos brevemente para o olhar se o semáforo havia mudado, e sim, ele estava verde. Imediatamente, ele percebeu o que o retrovisor refletia no banco traseiro e virou-se bruscamente.

— O que você está fazendo no meu carro? — perguntou espantado. O garoto possuía cabelos loiros como o Baekhyun, mas ele não era o Baekhyun. Sehun não conseguiu conter o constrangimento e ficou estático, sem saber o que dizer.

— Quem é você? — o motorista loiro de traços delicados exigiu saber, desta vez com o tom mais firme.

— Ah, m-me desculpe! Eu... esperava um amigo e ele tem um carro como o seu, eu me confundi, desculpe... — Sehun respondeu rápido ao se recompor do susto, embolando-se em suas palavras. O motorista não deixou de exibir um semblante desconfiado, mas relaxou.

— Ah... — foi o que conseguiu dizer.

Passado o embaraço inicial, Sehun finalmente percebeu que havia se sentado no banco do desconhecido com as roupas molhadas.

— Ah, droga! Me desculpe por molhar o seu banco, é melhor eu sair! — ele preparava suas coisas quando o estranho disse de repente:

— Ei, já que você já está aqui, não quer que eu te leve a algum lugar? Quer dizer, até onde você possa se proteger da chuva, pelo menos. — ele falou meio desconcertado com a situação inusitada.

— Ah... Ok. Obrigado. — Sehun respondeu sem coragem para recusar. — Adiante tem um restaurante. Eu posso pedir para o meu amigo me pegar ali.

— Ok... — o motorista respondeu e virou-se a fim de encarar a pista, o sinal mudou para vermelho. Ele retirou o fone de ouvido e guardou o celular na bolsa que estava sobre o banco carona apenas para ocupar-se durante o silêncio estranho. Tudo o que se ouvia era o barulho da chuva caindo violentamente sobre eles e o batucar do motorista no volante, ansioso para pisar no acelerador.

O sinal abriu e o motorista acelerou, mas continuou dirigindo devagar, preferia ser cauteloso com a pista molhada. Sehun permaneceu quieto em seu assento, vez ou outra trocava olhares envergonhados com o loiro pelo retrovisor, mas ambos sempre desviavam rapidamente. Logo, eles chegaram ao restaurante e o motorista estacionou diante dele.

— Hum... chegamos! — ele disse, olhando Sehun pelo retrovisor.

— Sim, obrigado! — Sehun disse, desamassando o jornal que usava como guarda-chuva. — Desculpe por qualquer coisa... Dirija com cuidado! — ele disse ao motorista enquanto saia do carro, correndo até o interior do restaurante, sem ouvir o motorista lhe responder “de nada”.

Dentro do estabelecimento, Sehun se deu conta da situação e quis se enterrar em um buraco. Em sua mente, ele ficou repetindo “Eu te odeio, Byun Baekhyun! Eu te odeio” enquanto procurava pelo celular na mochila. Ele discou o número do vizinho, e agora, talvez ex-melhor amigo, furiosamente. O maldito atendeu na primeira chamada.

— Onde você está? — ele basicamente gritou a pergunta, mas se recompôs ao perceber que estava em local público.

— Ei! Por que você está gritando? — Baekhyun perguntou, calmamente. — Estou a caminho. Antes de vir, eu tomei banho e parei para comer. Onde você está?

— Tá, tá. Eu estou naquele restaurante vermelho da avenida. Só vem logo. — ele disse, sem paciência. Sentia-se exausto!

Alguns minutos depois, após a ligação, Sehun recebeu uma mensagem.

“Estou aqui”, ele leu e rapidamente saiu do restaurante. Antes de adentrar o carro, certificou-se de que era realmente Baekhyun quem dirigia. E, graças aos deuses, a pessoa sentada diante do volante era o seu vizinho preguiçoso.

— Eu te odeio! — essas foram as primeiras palavras que Sehun usou para cumprimentar o amigo no momento em fechou a porta. Baekhyun, alheio aos acontecimentos prévios, perguntou inocente:

— O que eu fiz?

E Sehun o contou, contou tudo, sem deixar os xingamentos direcionados ao amigo de fora. E Baekhyun, ansiando ganhar o título de “apenas vizinho e ex-melhor amigo”, riu. Simplesmente riu de toda a situação, gargalhando alto por todo o caminho até o edifício onde moravam.

Sehun, esquecendo-se de sua raiva, riu junto com ele. De fato, era uma situação engraçada, ele tinha que aprender a rir da vida e, às vezes, rir junto com ela.

Eles ainda comentavam sobre o incidente do Sehun quando subiam as escadas rumo ao terceiro andar e Sehun já começava a espirrar e a tremer de frio, por conta das roupas úmidas.

Quando finalmente chegaram, cada um, parado diante de sua porta, despediu-se e desejou boa noite ao outro.

2017. existiu uma época em que escrever era tudo para mim, a todo momento eu estava escrevendo besteiras como essa aqui, planejando histórias mais sérias... a vida sugou essa paixão de mim e agora eu quero retomá-la. eu planejo escrever um livro, não sei sobre o que ainda, só sei que ainda tenho muito a falar e a escrever. a adolescente que escrevia essas bobeiras cresceu e está pronta para se mostrar ao mundo. :)

urano

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Apertei a caneta preta entre os meus dedos com força. Mordi meu lábio, na tentativa de evitar um grito estridente. A dor se espalhou por todo o meu crânio fazendo-me gemer. Meus olhos já se enchiam de água, enquanto eu era torturada pela dor aguda.

Continuei a escrever. As letras tortuosas, uma caligrafia terrível.

Mas nada disso me importava agora.

... Eu não tenho a certeza de que o senhor lerá esta carta, mas eu lhe peço que, por favor, não me abandone agora... 

Uma gota de suor escorreu pelas minhas têmporas, logo a enxuguei.
Meu corpo estava quente. 

— Mackenzie? — a porta fora aberta, revelando a dona da voz fina que me chamara há alguns segundos.

Coloquei o pedaço de papel embaixo do meu travesseiro, em uma agilidade desconhecida por mim. Joguei a caneta para um canto qualquer do quarto.

— O que estava aprontando? — perguntou com frieza, se aproximando de mim e pondo as mãos na minha testa.

— Nada. — murmurei com dificuldade e virei meu rosto para encarar a janela trancada.

— Você está quente. — tirou suas mãos do meu rosto, caminhou até a cômoda abrindo a primeira gaveta para retirar um termômetro. — Vou colocar isso em você para ter certeza.
Levantei meu braço esquerdo para que ela pudesse colocá-lo.
— Minha cabeça dói. — sussurrei. Ela deu de ombros, desinteressada.

— É consequência da febre. — quando já estava a um passo fora do quarto, falou: — Durma um pouco.

Sua voz não soara nem um tanto preocupada ou carinhosa. Foi mais uma ordem.

A luz do quarto fora apagada e eu me encontrei sozinha nele, como costume.

Não senti a necessidade de terminar de escrever minha carta agora, pois meus olhos já pesavam – por eu não ter dormido noite passada, já que a tosse incessante me impediu -.

Eu nem percebi quando fechei meus olhos, mas ainda sentia o frio da ponta metálica do termômetro tocando minha pele. Retirei o objeto e o olhei.

39° graus de febre.

Eu queria vomitar.

△△△ Uranus

Ao acordar, já não me sentia mais assim tão mal. A dor ainda me perseguia. Todos os meus membros estavam doloridos, por isso não me esforcei para levantar da cama.

Não sabia que horas eram. Muito menos quanto tempo havia dormido.

Tateei pelo pedaço de papel, aonde havia escrito minha carta improvisada. Depois de bastante procurar o encontrei meio amassado, porém ainda legível.

Reli a carta.

Caro Senhor,
Olá! Desculpe-me por fazê-lo perder seu tempo lendo isso, mas acontece que eu sinto sua falta. Quer dizer, falta de suas cartas. De suas conversas, das suas distrações. Por que parou, uh? Deixei de ser interessante para você, ou você encontrou outra para conversar cara a cara e me esqueceu? Ou, na pior das hipóteses, morreu? Espero que esteja bem. E que este “desaparecimento” seja passageiro e que logo voltemos a nos comunicarmos, sim?
Banhei a carta com o meu perfume favorito. Queria que sentisse meu cheiro... Ao menos era. Não me perfumo mais, este aroma não me pertence mais. Perdi minha vaidade há tempos... Por que sabe... Estou doente. Minhas tias estão cuidando de mim (ou pelo menos tratando minha doença porque elas não me tratam bem) e eu não sei quando poderia ser feliz novamente. É um inferno! Estou presa no meu próprio quarto, com as janelas trancadas. Estou pálida, há muito tempo que não sinto o sol. E ontem ardia em febre.
Quero ter minha vida de volta. Quero minha liberdade. Não quero viver como prisioneira. E somente você sabia me alegrar nestes momentos ruins, apesar de não nos conhecermos realmente, sinto sua falta. Eu não tenho a certeza de que o senhor lerá esta carta, mas eu lhe peço que, por favor, não me abandone agora.
OBS: Sei que pediu para não chama-lo de senhor ou escrever tão formalmente assim. Desculpe-me, eu não consigo.

C. M.
Terminei de escrever e acabei sorrindo.

Estranho.

Lembro-me como foi o dia em que acidentalmente recebi, e com receber quero dizer ‘peguei escondido na caixa de correspondência’, a carta deste estranho que assina como “C. M.”, exatamente como minhas iniciais.

Nela ele perguntava coisas banais, mas que por algum motivo me alegram e por outro motivo mais estranho ainda me fez respondê-lo. Há cerca de três meses que conversamos, mas nas últimas semanas parou de me escrever. Logo quando adoeci e que precisava do apoio de alguém, mesmo que de um estranho.

A carta já estava finalizada e agora só precisava ser entregue.

Ai vem a parte difícil.
2014 ou 2015, provavelmente. até hoje eu não sei o que era para isso ser, mas vamos aceitar essa história pelo o que ela é. 

teoria das cores



O preto é percebido quando algo absorve praticamente toda a luz que o atinge. O preto é a cor do mistério e está associado à ideia de morte, de luto e de terror. Uma cor com valor de certa sofisticação e luxo. O uso em excesso estimula a melancolia, depressão, tristeza, confusão, perdas e medo. Por isso, na verdade jamais deveria ser usado por pessoas que acabaram de perder um ente querido como sinal de luto. É a "não" cor, ausência de vibração, cor das pessoas que buscam proteção ou afastamento do seu arredor. Indicada só para detalhes de acabamento ou objeto, pois pode deixar o ambiente muito escuro, a não ser que esta seja a intenção. O preto também pode sugerir silêncio.

Capítulo um: Ausência. 

Já é noite?

Indagou-se. Sua voz soou como um sussurro fraco e cansado no momento em que abriu os olhos e deparou-se com o nada. As cortinas estavam fechadas, ele não poderia saber, apenas deduzir, então continuou na mesma posição, imóvel, respirando. 

Ele ouviu dizer que inspirar pelo nariz e expirar pela boca gradativamente e repetidamente acalmava o corpo, os nervos, relaxava. Mas nada disso funcionava com ele, seus pulmões pesavam e a sensação de desespero lhe preenchia, pois sentia que sua asma atacaria a qualquer momento.

Ergueu-se. O movimento deve ter sido muito brusco e repentino para sua costela doer de forma tão aguda e latente que ele xingou, o palavrão escorregou por seus lábios antes mesmo que pudesse processar, mas, naquele momento, ele não se importou, caminhou até a janela. Com muito cuidado, espiou pela fresta da cortina e percebeu que estava certo. Apenas alguns meses de prática e entre erros e acertos ele finalmente estava pegando o jeito. Conseguia facilmente deduzir se já havia anoitecido. 

Era desconfortável andar, arrastar os pés pelo chão frio. Mesmo no escuro, ele sabia se guiar. Sua costela doía para caralho e ele só queria gritar, extravasar todos os palavrões que conhecia. Infelizmente, a mínima manifestação de dor era um luxo que ele não podia ter, então, por favor, mantenha sua boca calada e guarde o palavrão entre essas quatro paredes.  

Ele não tinha celular. O único relógio do hotel onde morava ficava na recepção e ele nunca se arriscava em ir até lá quando não era a hora certa. Mas como agora era a hora certa, espreguiçou-se e abriu as cortinas. A janela revelando nada além da escuridão já que neste lado do hotel não havia nenhum poste ou lâmpadas de iluminação. Ele preferia assim.

Mesmo no escuro, Oh Sehun conseguia se guiar pelo pequeno quarto. Encontrou seu armário e retirou dele seu uniforme de trabalho, vestiu-se sem pressa. A mão relaxando sobre a barriga, ele abriu a porta e espiou o corredor vazio, silencioso. Vagou solitário, rumo ao andar de baixo, tentando não fazer barulho. Não encontrou com ninguém. 

Sehun trabalhava para sobreviver. Não era algo especial, mas foi o único emprego disponível para alguém como ele. Não havia nada de especial em sua vida. E seus dados eram básicos:

Oh Sehun.

26 anos.

Sem parentes próximos.

Sem amigos.   

Zelador.

Nada mais a acrescentar. Ele costumava dormir durante todo o dia para poder trabalhar a noite tranquilamente. Sehun era um zelador de um colégio de ensino fundamental e ele trabalhava durante toda a madrugada, para chegar em casa no inicio da manhã. Às vezes, quando necessário, ele se obrigava a ir ao mercado e seu pior pesadelo era ter que interagir com a mulher do caixa quando lhe perguntava monotonamente se ele queria sacola de papel ou plástico.

Sehun não sabe explicar qual o motivo de sua rotina ser tão monótona e repetitiva. Não é sua culpa, afinal não é como se ele estivesse ciente dos últimos 20 anos de sua vida.

Perda total da memória.

Foi o que médico estrangeiro lhe disse quando ele acordou dois anos atrás na cama de um hospital público. Tudo lhe pareceu tão branco. Ele acordou sem saber seu nome, sua idade e até mesmo sua nacionalidade. Os exames negaram qualquer fratura. Não havia indícios de pancadas na cabeça e nem consumo de drogas ilícitas. Seu caso estava sendo estudado, mas ele cansou de ser cobaia e fugiu do hospital. Ele não ligava mais.

Tudo o que sabia sobre si mesmo se resumia aos últimos dois anos e alguns memórias. Existia uma lacuna em sua mente, buracos que talvez nunca fossem preenchidos. Ele havia separado a sua vida em dois períodos, o agora e o passado. E no agora, ele vivia solitário, confuso e triste.

Ele leu uma vez um artigo sobre o luto e descobriu que as pessoas usavam a cor preta para lamentar suas perdas. Sehun nunca havia se identificado tanto com algo, por isso pintou as paredes de seu quarto de preto, em luto por sua antiga vida que nunca retornará.

Seus sentidos foram sucumbidos pelas paredes pretas e madrugadas frias. O chão era a sua segunda pele. Sehun já estava enraizado no sentimento de falsa independência e auto desvalorização. Ele havia deixado de se importar. Seus sentimentos eram desnecessários e ele os afogava com álcool barato que comprava no bar da pensão.

Ele evita a luz do dia, pois não quer ter a sensação do sol aquecendo sua face. Não quer ver as pessoas lutando e vivendo suas vidas quando ele havia desistido totalmente da sua. Ele preferia e viveria assim até morrer, algo que não esperava que demorasse tanto. Ele espera a morte impacientemente. Por que não o levar logo?

Ele pensava e pensava e pensava. O que a morte tinha contra ele? A maioria das pessoas tinham medo de morrer, mas ele não. Ele a abraçaria como um amigo que nunca teve e sua alma seria feliz, pela primeira vez. Por que não ele? Nada o prendia aqui.

Só que havia algo. Existia um detalhe oculto. Sehun tinha vergonha de admitir para si mesmo, mas ainda havia algo.

Ele não sabe dizer quando começou. Ele só sabe que ele aparece em seus sonhos todas as noites, de formas diferentes. Como uma pessoa, um animal ou um objeto, mas Sehun sabe que ele está ali.

O sonho da noite passada foi um dos mais esquisitos. Desta vez, ele era uma árvore. Sehun nunca havia visto aquela árvore antes.

Mas ele conseguia ouvir a voz do desconhecido em sua mente, ecoando por seus ouvidos congelados.

“— Não. — ele diria com sua voz suave. — Não desista ainda. Ainda há muito que viver. Ainda há o que lembrar. Escute-me pelo menos uma vez... Não desista ainda.”

E Sehun obedecia. Ele era persuadido pela voz de veludo. Os céus gozavam de sua pessoa. Ele era um idiota por ouvir alguém em um sonho? Sim, mas era a única “pessoa” que conhecia e que zelava por ele. Mesmo que fosse apenas uma criação da sua mente. Uma tentativa desesperada para que el continuasse vivo. 

O dia seguinte será melhor. Pensava com esperança de que seus desejos se concretizassem. 

*
O branco é percebido em algo que reflete praticamente todas as faixas de luz. O branco transmite paz, de calma, de pureza. Também está associado ao frio e à limpeza. Significa inocência e pureza. O branco revela pureza, sinceridade e verdade; repele energias negativas e eleva as vibrações espirituais. Equilibra a aura e facilita o contato com os guias espirituais, promovendo o equilíbrio interior, a sensação de proteção. A luz branca traz todas as cores, ilumina e transforma. Ótima para qualquer ambiente, contudo se o local for totalmente branco pode se resultar em sensação de tédio e monotonia.

Capítulo dois: Presença

O branco é percebido em algo que reflete praticamente todas as faixas de luz. O branco transmite paz, calma, pureza. Também está associado ao frio e à limpeza. Equilibra a aura e facilita o contato com os guias espirituais, promovendo o equilíbrio interior, a sensação de proteção. 

Luhan coçou a nuca. Ele sentia todo o corpo tremer. Olhando em seu celular, era apenas três da manhã e ele não sabia o porquê, mas toda vez neste maldito horário, uma sensação esquisita o impedia de continuar dormindo.

Sentou-se na cama e encostou o corpo à parede, fechou os olhos e em questões de segundos as imagens tão conhecidas por si invadiriam sua mente como um filme, mas Luhan não o protagonizava. Era estranho. Como ele poderia vivenciar o momento mesmo sem nunca ter estado realmente lá?  

Mas Luhan sentiu. Ele sentiu o vento frio da madrugada tocando seu rosto enquanto o carro corria acelerado pela pista vazia, os faróis do carro sendo a única iluminação. Ele ouviu os gritos, uns apavorados, outros cheios de adrenalina vindos das adolescentes que também estavam no carro. Ele conseguiu sentir a presença de um adulto, este dirigia; de um jovem garoto de dezenove anos no banco carona e mais três garotas entre quinze e dezessete anos no banco de trás.

Ele conseguiu ver o sorriso perverso no rosto do motorista e a sensação de seu coração acelerar quando desviou da pista e começou a dirigir descontrolado pela floresta. Os gritos continuavam, em puro êxtase. E o garoto sentado à frente, seu rosto estava calmo, como se estivesse aproveitando o som das ondas e a brisa do mar. Ele possuía os olhos fechados. O jovem sabia o que aconteceria a seguir e ele ansiava por isso.  

Luhan gritava. Não! Não! Não! Mas ninguém era capaz de lhe ouvir, sua súplica era silenciada pelos gritos agudos das adolescentes. Ninguém além do motorista e do garoto estranho parecia saber o que de fato ocorreria. Ele não queria ver, mas parecia que seus olhos estavam sendo abertos por uma força invisível. Ele precisava ver.

Uma árvore grande e velha estava no caminho do carro. O motorista acelerou ainda mais. Os gritos aumentaram. E o coração de Luhan batia forte. Ele não pôde fazer nada, mas observar o momento em que o carro foi de encontro à árvore e o corpo do jovem rapaz atravessou o para-brisa. Mas neste momento, o rapaz sorriu.

E Luhan sentiu que só havia ele e mais uma alma viva em meio aos destroços do carro.

Luhan abriu os olhos com rapidez, sua visão foi tomada por uma luz branca, o que o cegou momentaneamente. Ele estava ofegante, suando frio e sua coluna doía como nunca. Acabou dormindo sentado, novamente.

Tentou consertar sua posição, fazendo com que sua coluna doesse com mais intensidade. Na ponta de seus dedos, se espalhava uma sensação de dormência, mas logo foi esquecida quando uma dor intensa ressoou em sua cabeça e algo escorreu por suas têmporas. Tateando, Luhan sentiu algo úmido e pensou que fosse suor, mas seus dedos estavam sujos de um líquido vermelho.

Desesperado, correu até o banheiro de seu pequeno apartamento, mas quando viu seu próprio reflexo no espelho, não havia nada. A dormência e a dor de cabeça havia cessado e o sangue dissipou-se.

Luhan sacudiu a cabeça algumas vezes e lavou o rosto com a água fria da pia. É. Ele estava ficando louco. 

Este mesmo pesadelo, não poderia chamar de sonho em hipótese alguma, vinha o perseguindo há algumas semanas. 
antigo para caralho, mas amo a ideia dessa história, mas execução não estava tão legal assim e eu nem terminei. 

sussurro

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Eu estava sozinha, presa em um quarto de hotel sem grandes opções de entretenimento. Um cenário solitário e até um pouco depressivo.

O relógio do celular indicava que já havia passado da meia noite e mesmo assim eu ainda não havia conseguido dormir. Parece que até por brincadeira os fantasmas da minha vida, do meu passado escolheram este dia para me assombrar.

Quando fecho os olhos vejo a imagem da minha melhor amiga, uma anoréxica morta. Por ter diminuído a luz, sombras se projetavam na parede atrás de mim e era iguaizinhas ao Carter, meu padrasto maníaco. O barulho da chuva indo ao encontro do asfalto me lembrava duma suave melodia cantada por meu pai, ele cantava esta musica quando estava com raiva e perdia o controle. Totalmente doentio.

E o pior de tudo? Eu não tinha sono algum, mas não poderia ficar acordada. O que me assustava mais? Minha amiga morta, que coincidentemente morrera por minha culpa. Meu pai também morto em um acidente de carro... chovia forte no dia, exatamente como hoje. Ou o meu padrasto tarado, satânico que, infelizmente continua vivo?  

Se o seu palpite é “o monstro que os três se transformam para me apavorar”. Você está corretíssimo!
Escolhi ficar acordada, ereta, encarando o celular e mexendo nele aleatoriamente. Não sei até que horas continuei assim, mas me recordo de uma luz fraca invadir o quarto por meio das brechas da janela.

... Garota é encontrada morta em casa, sozinha.
... Ninguém precisa ficar sabendo, querida.
... O papai morreu, Morgana, ele não está mais aqui. Nunca voltará, jamais.

§

Fui acordada com fortes batidas na porta e uma voz grave dizendo:

— Acorda Morgana! ACORDA! — reconheci imediatamente o dono da voz. Bob, dono do motel, gordo e barbudo. Não tem esposa, filhos ou uma família. Seus gases fedem muito e faz o melhor sanduíche de pasta de amendoim do mundo.

Levantei meio mal humorada, afinal estou morrendo de sono e gritei um ‘ok’ para o Bob me deixar em paz.

Tomei banho e fiz tudo o que tinha que fazer, depois desci para a recepção do motel. Mais um dia entediante da minha vida, mais um dia desperdiçando a minha existência.

Como minha vida se transformou nisso? Eu poderia contar, mas é doloroso demais para mim. Deixe-me fumar um pouco que tudo fluirá naturalmente.

Quando papai morreu eu tinha dez anos e observei a cada dia que passava a mamãe enlouquecer, beber e se drogar. Um mês depois ela trouxe um estranho para casa e eu fiquei com medo dele. Eles se casaram pouco tempo depois. Carter, seu nome real, era, na verdade, um homem preguiçoso e vagabundo. Ele nos explorava, mas ela não ligava para isso. Só estava concentrada em fazê-lo feliz, nas ardentes noites de sexo e nos orgasmos. E como eu fiquei? Fui abandonada! Tive que me ‘criar’ sozinha e ainda por cima aguentar os gemidos e a barulheira a noite inteira.

Sim... e isso foi só o começo.

Eu sempre notei um comportamento estranho do Carter comigo. Em qualquer oportunidade ele fazia questão de me tocar, mostrar seu membro para mim e era nojento... completamente. Mas eu não era a única que notava.

Claro que não, ela sabia. Sabia de tudo, mas fingia ser cega.

Estava distraída pegando uma flor em uma árvore quando ele chegou atrás de mim e sussurrou "não grita", meu coração gelou, eu havia notado sua presença antes, mas não pensei em nada. Ele segurou minha mão e começou a andar devagar me puxando para o jardim onde tinha uns arbustos. Quando o susto maior passou e voltei a pensar novamente fiquei imaginando como sairia da situação, decidi que iria lutar, virei e dei uma cotovelada nele, ele me segurou e deu um soco no meu rosto. Eu chorava e ele me arrastava mais rápido até chegarmos aos arbustos, ele segurou minha cabeça no chão e me deixou de quatro, enquanto me estuprava falava coisas nojentas e às vezes me batia. Depois que 'terminou' mandou eu não me mexer e sussurrou no meu ouvido “Ninguém precisa ficar sabendo, querida”.

Fiquei deitada na terra chorando por um tempo que parecia uma eternidade, esperando que tudo aquilo não tivesse sido real, esperando que não passasse de um pesadelo. Eu tinha treze anos, e nesse dia perdi minha virgindade e minha inocência.

Eu nunca contei a ninguém sobre isso. Desde então os homens passaram a me assustar diariamente, mantive uma longa distancia de Carter. Procurava me ocupar e passar menos tempo em casa vivia indo para casa das gêmeas por conta do medo. Ele nunca mais me estuprou, não completamente. Continuava me pedindo para fazer um boquete nele, ou me chamava para darmos uns amassos no quarto dele. Até que eu fiz 16 anos e não aguentei mais a situação, liguei para policia e fiz um escândalo com a minha mãe, porém ele me fez desistir de dar a queixa. Mamãe não acreditou em mim, por isso eu fui embora. E agora estou morando neste quarto de motel, assustada demais para seguir em frente, envergonhada demais para voltar atrás.

Eu nunca fiz sexo com garoto algum. Apenas o toque é capaz de me lembrar do abuso que sofri anos atrás. Não tenho medo do Bob, de alguma forma consegui confiar nele, e além do mais ele é gay. Ele me protege das ameaças e me proíbe de usar maconha.

Fantasma número dois. Pandora e Perrie, as gêmeas, e eu sempre fomos melhores amigas. Conforme fomos crescendo cada uma mudou seu comportamento. Eu estava estranha, não falava mais com ninguém, não saia para as festas. Pandora era estudiosa e por isso passava mais tempo trancada em seu quarto, mas Perrie era obcecada, obcecada por tudo, o corpo, garotos, festas, sexo e principalmente o corpo. Todo dia ela vinha com uma dieta maluca encontrada na internet ou parava de comer completamente; seu problema foi se agravando e agravando. Um dia ela havia armado, chamou uns garotos da escola e inventou uma festa na piscina só para garotas... Quando realmente queria fazer uma orgia na piscina. Quando vi aqueles garotos querendo me tocar e fazer coisas comigo entrei em pânico e briguei com ela. Ficamos sem nos falar. Seus pais viajaram pro fim de semana, as duas ficaram em casa sozinhas, mas Pandora foi estudar na casa de uma amiga. Perrie ficou sozinha e não estava bem. Me mandou mil mensagens chorando e pedindo desculpas, ainda com raiva ignorei. Na segunda feira recebi a mensagem, Perrie estava morta. Ela passou o fim de semana inteiro vomitando e comendo o que causou o rompimento do esôfago, ela morreu e eu poderia ter a salvado. Parei de frequentar a escola no meio do semestre e parei de falar com a Pandora. É difícil ser amiga de alguém quando ela tem o mesmo rosto de uma pessoa morta.

Enfim, depois de passar por tudo isso, desesperada eu recorri ao primeiro anuncio de trabalho que vi; recepcionista de um motel. Bob não ligou por eu ser menor de idade, ele também estava desesperado. Quando contei minha situação ele me acolheu. Lembro também que ao terminar de falar ele me disse:
 
— Você já é a segunda aqui que me aparece com essa historia.

Estou aqui faz dois meses e até hoje não sei de quem ele estava falando.
isso é antigo para caralho, tõ falando lá para 2015 quando eu achava que essa historia seria revolucionária e hoje vejo que ela é só um clichêzão, mas tamo aí :) 

o homem chamado Jorge


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O HOMEM CHAMADO JORGE era um senhor grisalho e barbudo que sempre olhava Moara de cara feia quando ela ia ao café. Toda vez que a porta de vidro se abria e uma rajada de ar quente invadia o estabelecimento, o homem chamado Jorge direcionava o olhar para Moara e arqueava uma sobrancelha.
Na primeira vez que isso aconteceu, Moara sentiu-se intimidada. Ela congelou na porta, a mão hesitante sobre a maçaneta. Contudo, o homem chamado Jorge apenas suspirou, claramente desapontado e voltou a varrer o chão do pequeno café.
Aquele café não era novo, pelo contrário, localizava-se no primeiro andar de um antigo edifício residencial de 4 andares. Perdoem-me pelo exagero, mas o local estava em ruínas. As paredes, que um dia foram pintadas de verde, encontravam-se descascadas e desbotadas, marcadas por pichações aleatórias. As janelas, duas em cada andar, eram compridas e protegidas por grades brancas, também degradadas. A única coisa que denunciava que o local não estava totalmente abandonado era uma placa improvisada, pregada a parede junto à porta, onde lia-se “Café da Tia”.
Quando se deparou com o lugar pela primeira vez, Moara pensou duas vezes antes de entrar, com medo do prédio ser abandonado. No entanto, ela não tinha dinheiro e realmente precisava comer, então arriscou, respirou fundo e entrou.
Assim que abriu a porta, o aroma de café e bolo caseiro infiltraram-se em suas narinas e seu estômago roncou. O momento foi quebrado quando Moara notou que diante dela tinha um homem, duas vezes o seu tamanho, segurando uma vassoura e olhando fixamente para ela. Um crachá estava preso a sua blusa laranja, Moara leu: Jorge. Não sabia ao certo o que a expressão do homem chamado Jorge significava, mas ela só relaxou quando Jorge a ignorou e continuou a varrer o chão.
Os instintos de Moara disseram-lhe corra. Novamente, ela lembrou a si mesma: você é pobre e está com fome, então senta logo na merda desse café. E assim ela o fez e o faz todos os dias dos últimos 2 meses.
Naquele dia, o homem chamado Jorge estava atrás do balcão, enchendo um recipiente com pacotinhos de açúcar. Ele não parecia estar interessado no que acontecia ao redor. Não havia muitos clientes. Moara e uma senhora idosa eram as únicas ali. Moara estava sentando em sua mesa favorita, de frente à janela, batucando impacientemente o teclado do notebook e a senhora estava duas mesas atrás dela, bebendo café preto e lendo um jornal, mas Moara desconfiava que ela fosse apenas uma moradora do prédio sem ter muito o que fazer.
Para falar a verdade, desde que Moara passara a frequentar o café da Tia, ela nunca vira ninguém além da senhora idosa e outro moço dono de um sorriso simpático no lugar. Talvez isso explicasse o tédio constante do homem chamado Jorge.
Ela pegou sua agenda de dentro da mochila e escreveu com letra apressadas uma nota, preciso trazer meus amigos aqui. Guardou a agenda e voltou a batucar o teclado do notebook.
Vou admitir, naquele dia Moara estava especialmente nervosa.
É hoje! É hoje! É hoje!
Ele repetia incansavelmente, bebericava seu cappuccino e voltava a repetir. Na sua cabeça, as palavras já não faziam sentido e se perdiam na ponta de sua língua.
Merda, é realmente hoje! — ele disse entre um suspiro longo. Esfregou as mãos nas coxas e depois nos cabelos, mas nada conseguia acalmar sua ansiedade.
Por duas longas e torturantes semanas Moara rezou, desejou e fez de tudo para que este dia não chegasse, mas se tinha uma coisa que ela ainda não podia fazer era controlar o tempo, infelizmente. Agora, cá estava ela, se escondendo em um café no fim do mundo, como a pessoa madura que era.
O lugar não era só um café. Era o seu porto seguro, era o mais próximo a um lar. Ele lhe trazia um conforto inexplicável.
Suas mãos estavam trêmulas quando ela guardou suas coisas na mochila, seus passos eram lentos conforme se dirigia ao balcão. Sua aproximação despertou o homem chamado Jorge de sua realidade singular, ele largou os pacotes restantes de açúcar e olhou para Moara, o mesmo olhar questionador de sempre.
— Você sabe quanto ficou. — murmurou seco, olhando por cima dos ombros de Moara. Só por curiosidade (ou talvez para perder tempo), Moara virou-se para a direção que o homem chamado Jorge olhava. Era a senhora idosa. Ela dobrava o jornal lentamente como se possuísse todo o tempo do mundo em seus dedos.
Moara gostaria de ter esse privilégio. 
O homem chamado Jorge pigarreou e Moara sentiu-se envergonhada. Virou o corpo de volta e retirou o dinheiro da carteira, entregando-o à Jorge. Por um momento, ela permaneceu parada, encarando o homem chamado Jorge como se seu rosto velho e barbudo fosse a obra de arte mais fascinante que já vira. Sair dali não precisava ser uma opção.
O homem chamado Jorge arqueou a sobrancelha direita, encarou Moara de cima a baixo e suspirou. O mesmo suspiro decepcionado. Isso fez o corpo de Moara tremer. A expressão do homem chamado Jorge relaxou e ele deu as costas, indo pegar a vassoura. Moara continuou a olhar o espaço vazio.
A porta fez um barulho. Institivamente, Moara virou-se para ela. A senhora se fora, mas o jornal estava sobre a mesa. Ele deveria ir também.
O homem chamado Jorge varria o chão, estava de volta ao seu mundinho.
Moara olhou a porta de vidro, a rua estava vazia. Nenhum sinal de movimentação.
— Muito bem. — Moara suspirou e finalmente suas pernas responderam ao comando, indo em direção a saída.
— Boa sorte, criança. — as palavras curtas do homem chamado Jorge a fizeram congelar. Ele parou e um sorriso formou-se em seus lábios. Moara ficou sem entender por alguns segundos. — Boa sorte com a vida.
Moara sorriu e o deu as costas, a sua última ação sendo um último suspiro longo. 
Está na hora de crescer.

mais um da série trabalhos inacabados, levemente inspirado no personagem "O homem chamado Jack" do "O livro do cemitério"  :)

para sempre.

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Esperei. Talvez 10, 20 minutos tenham se passado. Não sei. Não posso dizer com certeza. Continuei esperando, olhando para os lados, esperando. Não só o ponto de ônibus, como a rua, estava deserto. Continuei esperando. Tentando ignorar a dor costumeira em meu estômago. Como se chamava isso? Acho que é fome. Sim, fome. Não posso afirmar com certeza, mas eu acho que é isso. Não sei, estou confuso e com sono.
Sentei-me na ponta, mas todos os bancos estavam vazios.
“Ele vai chegar”
Talvez seja a única coisa que tenha certeza, não só hoje, mas na vida. Ele sempre vinha. Esperei mais um pouco e, nesse meio tempo, carros começaram a circular pela rodovia antes deserta. Não estava mais sozinho, mas ainda assim, estava. Eles faziam barulho.
O ponto de ônibus começou a se encher, alguns idosos e alguns estudantes vestidos com seus uniformes. Ninguém se aproximou de mim, eu era um estranho e fedia.
Mais algum tempo se passou, eu não sei quanto, mas sei que passou, pois o ponto encheu-se e esvaziou-se e, mesmo assim, ninguém olhou para mim. Talvez eu devesse tirar um cochilo, afinal, eu acordei cedo para chegar até aqui. Quando ele chegasse, iria me acordar. Tenho certeza.
Dormi. Talvez 20, 30 minutos tenham se passado. Não havia mais estudantes no ponto.
“Será que ele não vem?”
Não. Ele sempre vinha. Irei esperar mais um pouco.
Esperei. Observei, nesse meio tempo, o céu mudar e o calor se intensificar. Meu estômago ainda doía.
Resolvi desistir. Hoje ele não viria.

Demorei um pouco para chegar em casa. Era longe do ponto onde eu ia toda manhã, era uma longa caminhada. Eu sempre fico com medo de deixar Zitao sozinho, mesmo que ele tenha 12 anos. Era o meu único parente, sem ele eu estaria totalmente solitário e abandonado. Não gosto de ficar sozinho.
Mas minha maior decepção é que eu não traria nada para Zitao hoje já que ele não veio. Por que ele não veio? Gostaria de saber responder.
Dei cinco batidas na porta e esperei. Eu disse a Zitao para nunca abrir a porta para estranhos, mas sempre que ele ouvisse cinco batidas seguidas, ele poderia abrir. Seria eu.
Zitao apareceu à porta, com um sorriso e me perguntou algo que partiu meu coração.
— O que trouxe hoje? Estou com fome, hyung.
Seus olhos eram confusos quando ele notou minhas mãos vazias. Eu não trouxe nada.
— Ele não veio hoje, Tao. Sinto muito, mas o hyung dará um jeito. Não te deixarei com fome. — falei com incerteza. Eu não tinha ideia do que faria para nos alimentar.
Zitao não tinha escola hoje, então ele comeria em casa. A merenda do colégio era um alivio para mim, mesmo que não fosse o suficiente para um guloso garoto de 12 anos. Mas Tao conhece nossas limitações.
— Está tudo bem, hyung! Nem estou com tanta fome assim... — eu sei que ele só falou isso para me confortar, mas esses momentos só reforçavam o quanto que eu me sentia inútil. Eu era seu responsável e deveria poder, pelo menos, colocar comida na mesa. Mas eu fui demitido três meses atrás. Trabalhava em um mercado de rua e, por algum motivo não dito, eles me botaram para fora.
Eu era o melhor funcionário.
Ainda estava do lado de fora, por isso, pus a mão no ombro de Tao para que nós entrássemos. Fechei a porta.
— Deixe disso, eu darei meu jeito, sim?
Tao fez que sim com a cabeça, a fome falava mais alto do que nós dois.
Após isso, ele enfiou-se dentro do quarto. Provavelmente assistiria televisão.
Zitao era meu primo por parte de p- por parte do homem que me pôs no mundo. Seus pais morreram em um acidente e ele veio morar comigo e minha família quando eu tinha nove e ele três anos. Nossas famílias vieram da China há muito tempo.
Minha família nunca fora do tipo amorosa e unida. Eles nunca gostaram de mim e nunca me desejaram, eu fui um completo erro para eles e a chegada de Tao em nossa casa só piorou tudo. Até que quando eu tinha catorze anos, eles me descartaram de vez junto com Tao. Eu não fui à escola desde então, mas sempre lutei para Zitao fosse, e ele dava resultados, era muito inteligente. Tenho orgulho.
Sem o meu segundo grau completo, não posso trabalhar de verdade. Vivo em trabalhos informais que não geram muito dinheiro e sempre falta. Não tomo muitos banhos para evitar gastar água. Moramos em uma casa cedida por um vizinho, acho que ele teve pena de nós, mas eu agradeço muito a ele. Só temos uma televisão; uma geladeira e fogão velhos; um sofá duro; e mais algumas outras coisas básicas em nossa pequena casa; que não passa de três cômodos. Temos um quarto – que eu divido com Zitao, uma sala/cozinha e um banheiro. E eu agradeço muito, por um tempo nem isso nós tínhamos.
Desde que fui despedido, venho lutando a qualquer custo para conseguir dar o que comer a Zitao, nem me preocupo comigo. Eu sei que posso esperar, mas ele ainda é uma criança. Meu desespero às vezes me leva a cometer alguns furtos, nada graves, os quais eu não me orgulho. Ou eu vou me humilhar e saio na rua pedindo algum dinheiro. Não é como se me dessem, eu conseguia muito pouco, mas eu continuava me virando.
Em uma dessas manhãs de humilhação, eu o conheci. Vestindo seu uniforme de ensino médio e um rosto emburrado. Me aproximei e lhe pedi dinheiro. Ele não pareceu se compadecer com minha história no começo, mas então ele falou:
— Qual o seu nome? — sua voz era embolada.
— Luhan. — respondi tímido. Eles nunca falavam comigo.
— Sehun. — se apresentou e estendeu sua mão, a toquei incerto e o observei pegar algo em sua mochila. Primeiro, ele tirou uma sacola e depois algumas cédulas de sua carteira. Me entregou tudo depois. — Luhan, apareça aqui amanhã, ok? Esse é o meu ônibus. — apontou para o ônibus que se aproximou. — Eu tenho que ir agora.
Então Sehun entrou no ônibus, antes mesmo de eu raciocinar ou de lhe dizer obrigado. Fui para casa feliz e guardei o lanche para quando Zitao chegasse. Comi um pouco para saciar minha fome e guardei o dinheiro para depois. Eu não era burro.
Sehun e eu nos encontramos toda manhã quando ele vai para o colégio nesse mesmo ponto. Ele traz comida, roupas, dinheiro e até me ajuda com empregos. Ele é rico e eu não entendo o porquê de ele estar toda manhã nesse ponto de ônibus público.
Mas Sehun é um mistério. Diferente dos mocinhos ricos que assisto nos dramas. Ele tem um ótimo coração e eu sou muito grato a ele, apesar de não ter certeza sobre qual o motivo dele me ajudar tanto. Eu nunca perguntei, mas essa era só mais uma de tantas coisas as quais eu sou ignorante.
De qualquer forma, Sehun não viera hoje e, apesar de que eu nunca saberei o motivo, continuo me perguntando porquê. Ele nunca falta, nunca mesmo. Não consigo deixar de esconder minha decepção. Não só por toda a ajuda, mas também pela falta que ele faz. Sehun é meu único amigo. Tirando Tao, eu estou sozinho.
Seria um longo sábado e eu teria que me virar, senão seria mais um dia em que faltaria comida em nossa mesa. Mais um dia em que eu e Tao seriamos miseráveis.
Hoje ele não viera, mas eu tinha esperanças sobre o dia de amanhã.

Escrito em 2016, acredito que a inspiração só tenha me consumido e saiu isso ai.

eu prometo à você.

TW: Essa história contém descrição de automutilação e palavrões. 


Segunda-feira, 7 pm.

— Porra.
Um resmungo é dito bem ao meu lado enquanto o garoto, dono de uma boca suja, observa com uma expressão de puro terror, o sangue que jorra diretamente de seu pulso e escorre pela pia, indo em direção ao ralo.
— Porra.
Ele repete, desesperadamente, tentando tatear a toalha de mãos, que normalmente localiza-se ao lado do espelho, para coloca-la sobre o sangramento, enquanto mantém os olhos fixos na água avermelhada – o vermelho de seu sangue. Quando seus dedos finalmente a encontram, ele a agarra e, usando a água fria para amenizar a dor, amarra a toalha sobre a ferida.
Ele suspira, tentando racionalizar a situação, enquanto uma dor aguda queima o seu pulso. Merda, ele pensa. Os olhos grudados no sangramento que não parece querer cessar, todas as suas tentativas seguiam sem sucesso notável.
Eu confesso que tenho um pouco de culpa nisso, talvez a minha presença somada com a impulsividade de Nick, tenha resultado em tal atitude. Porém, reconheço que não fui eu quem pegou a lâmina e a levou até a sua carne. Sobre isso, não posso me considerar culpado, apenas assistir a situação se desenrolar.
Ao que Nick finalmente se acostuma com a dor, ele se prontifica a procurar pelo kit de primeiros socorros, que ele sabe que os Smith têm em todos os banheiros da casa, como lhe foi dito no primeiro dia em que pisou ali, há um mês. Com uma expressão perdida, ele busca a caixa dentro do armário, prateleira por prateleira, até que a encontra. Lá dentro tem: algodão, gazes, ataduras, álcool, soro, esparadrapo, pomadas, tesoura, band-aid e mais alguns materiais que todo tipo de kit de primeiros socorros possui, mas que não são relevantes para nossa história.
Para começar, Nick retira uma porção de algodão e o molha no soro, passando este, logo em seguida, sobre o corte. O contato repentino o faz contrair o corpo brevemente. Ele limpa o máximo que pode e, então, pega a gaze, atadura e o esparadrapo, pronto para fazer o curativo.
— Isso deve servir, por ora — diz, encarando o curativo improvisado. E, olhando para a bagunça que está a pia, e a dor em seu braço, diz, a plenos pulmões para seu reflexo no espelho: — Eu nunca farei isso de novo.
Com isso, ele pega a lâmina que deixou sobre a pia e tudo o que usou para o curativo, desprezando-os no lixo. Nick apaga as luzes e sai do banheiro. Sua nova família o espera para jantar.


Durante o jantar, eu estou ali. Sentado bem ao lado de Nick, fazendo-o companhia. Tudo é muito silencioso, o que me entedia um pouco, apesar de tais pensamentos serem incaracterísticos.  O cheiro de comida caseira permeia o ar, enchendo a sala e dominando o incenso que a Sra. Smith acendeu um pouco antes de descermos.
Eu sei que Nick está com fome. Seu corpo se revira, o implorando por comida, mas ele, tentando ao máximo fugir do momento em que se encontra, sentado à mesa com a família feliz: papai, mamãe e seu filhinho; coloca pequenas porções de comida em seu prato e as engole, sem mastigar, impedindo seu paladar de apreciar o que, talvez, seja um delicioso bolo de carne.
Nick também reconhece os olhares apreensivos que estão sendo direcionados a si, principalmente ao curativo em seu pulso que, a essa altura, já começa a se avermelhar. Mas ele ignora tudo. Os olhares, a dor e a mim.   
Me machuca muito ver o quanto que ele se esforça para se manter ignorante a minha presença. Nick e eu nos conhecemos há muito tempo. Eu fui o seu primeiro amigo, aquele que sempre esteve junto a ele, e como ele me trata hoje? Com pura indiferença. É difícil não levar para o pessoal, eu tento. Parece que essa é uma resposta natural, justificável a minha presença, por isso, eu entendo.
Os Smith não entendem.
Por mais que não compreendam Nick e suas ações, eles já não tentam mais conversar durante o jantar, pois sabem que é um plano idiota e que o garoto negará qualquer possibilidade de diálogo antes mesmo de abrirem a boca. Assim, nós temos essa atmosfera tensa, onde todos prendem as respirações e se recusam a saltá-la, pois temem que o ar acabe penetrando um território inimigo, perigoso.
Veja bem, o meu amigo Nick foi adotado temporariamente pelos Smith, há um mês. Ele já está acostumado a pular de casa em casa, passar dois meses com uma família, cinco com outra e quando uma pessoa se habitua a ser jogada de um lado ao outro, ela entende que é desprezível e que não pertence a lugar nenhum.
Nick não pertence à família Smith e nunca pertencerá. No momento em que entrou pela porta de madeira pela primeira vez, ele soube que deveria parar de se enganar. Ninguém o queria.
E ele sabia de muitas coisas. Essa era uma delas.
— Já terminei. Vou para o quarto. — diz ele, evitando pronunciar aquela pequena palavrinha que possui o poder de estragar tudo: meu.
Nada é lhe dito, mas ele entende que pode se retirar.
Nick sobe a escada a passos largos e eu estou bem ao seu lado.

Ele fecha a porta com força. O estímulo ressoante que fez ao fechá-la, ecoa através do quarto naturalmente tranquilo. Ele caminha até o colchão, empurrado perigosamente contra a parede, e observa seus pertences escassos empilhados sobre ele. Uma mochila repleta de papeis para aquarela, vários pincéis, tintas em frascos, um canivete, um caderno, e uma escova de dentes. É tudo o que ele possui propriedade para chamar de seu, verdadeiramente. A luz fragmentada que entra pelas janelas reflete em um tom alaranjado sobre os objetos. Nick, simplesmente por não ter o que fazer, põe tudo novamente dentro da mochila.
Faz muito tempo desde que ele tocara nesses materiais, céus, faz muito tempo desde que ele pensara em algo concreto, senão toda a bagunça que estava a sua mente. Nick não se considerava um artista, mas ele gostava da forma como a arte o fazia se sentir melhor consigo mesmo, e como as cores o faziam esquecer, por um breve momento, o mundo exterior. Um mundo que um dia já fora repleto de cores, mas que agora está desbotado.
A cama está vazia.
Ele rasteja sobre ela, apoiando-se com o cotovelo direito até a extremidade próxima à parede, e deita na cama. Não há nada que ele possa fazer agora, além de deixar que as minhas palavras encham sua mente com pensamentos habituais. Nick suspira, balançando a cabeça, ele tenta não me ouvir.
É um tolo.
Ele olha para o curativo em seu braço esquerdo, terá que renová-lo daqui a algumas horas. Nick realmente não sabe o que tinha em mente. Por que diabos causar mais dor, propositalmente, resolveria as coisas?
Ele leu sobre isso na internet uma vez, sobre como as pessoas se automutilavam para substituir a dor emocional pela física em uma tentativa de conforto ou qualquer merda dessa. Bem, sua mente ainda doí, juntamente com o seu corpo. Tudo o que ele fez foi dobrar a dor que já estava presente ali e ele se sente ainda pior.
De repente, um barulho em sua janela o desperta de seu transe. Por impulso, Nick vira-se para a fonte do barulho para saber o que, ou mais especificamente quem, o causou.
É aquela garota, de novo. Ela me dá nos nervos.
Nick levanta, hesitante, mas ela bate com força contra o vidro, como se dissesse “ei, abre logo essa porra!”, ele entende o recado e faz o que lhe foi pedido. Ela entra, intensa como uma tempestade.
 — Qual é a porra do seu problema? — ela grita, furiosa.
 Nick permanece atônito por uns segundos, incomodado com a mudança radical da atmosfera do ambiente. Ela o encara, olhos perscrutadores, tentando adivinhar o que ele tem a dizer, ela está pronta para a briga, mas tudo o que recebe é um frio “Selena”.
Ah, Selena.
 — Você devia ir embora. — ele diz, recompondo-se, inexpressivo, e volta para a cama, como se ela não estivesse ali, como se ela não fosse ninguém. — Os Smith não vão gostar de ter você aqui, invadindo a casa deles e gritando como uma louca.
Desta vez, é Selena quem fica sem palavras, imóvel até para tentar se defender. Ela veio pronta para a briga, para gritar, mas não para isso, esse tipo de tratamento, como se ela não tivesse valor ou nem fosse digna do tempo de Nick.
Talvez ela não seja. Para mim, ela não é.
— Vá se foder! — ela diz, a voz fraca e tremida, incapaz de olha-lo nos olhos. Toda a sua atitude foi derrubada por simples palavras. — Vá- se foder... você... não pode simplesmente chegar aqui, e tentar ser meu amigo quando eu não dava a mínima para você e, a partir do momento em que eu fui honesta, me ignorar e me tratar dessa forma... Eu- — ela dá uma pausa e respira fundo — não vou deixar que mais um homem entre na minha vida e foda tudo, tá legal? Foda-se você e a merda dos seus problemas!
Nick ainda mantem a expressão vazia, enquanto olha a parede azul, tentando ignorar tudo o que lhe é dito. Ela espera por alguns segundos, lágrimas rolando sobre sua bochecha rosada, mas quando ele não a olha, Selena dá uma risada amarga e vira as costas, saindo pelo mesmo lugar por onde entrou.
Meus amigos, que espetáculo! Há muito tempo que não via uma cena tão dramática e gratificante como essa, porém, se tratando do meu amigo Nick, eu já deveria estar acostumado.
Muito tempo se passou até que ele finalmente saiu de sua inercia, movendo apenas a cabeça para encarar, sem nenhuma expressão, o lugar por onde Selena saiu.
A falta de expressão, para os ignorantes, poderia não significar nada, apenas que Nick era um cretino sem coração. Mas eu conheço o meu amigo muito bem e sei quais são as emoções escondidas por trás dessa fachada de garoto frio.
Nick sabia muitas coisas. Porém, o amor sempre lhe foi uma incógnita impossível de ser resolvida. Para ele, o amor só poderia significar uma dessas coisas: 1) uma mentira inventada pelo homem para alimentar seu próprio ego ou 2) um privilégio que ele, em seus breves dezessete anos de vida, nunca conheceu.


Um mês antes.

Os Smith eram a sétima família a acolhê-lo em 3 anos.
No momento em que Nick colocou os pés naquela casa, ele soube que não era bem-vindo ali. Talvez pelos sorrisos forçados da Sra. Smith ou os olhares de indiferença que o filho mais velho do casal, Benjamin, lhe lançava sempre que possível. De qualquer forma, Nick já estava acostumado com esse tipo de tratamento, então ele só faria o que sempre fez: ficar na dele e esperar que tudo acabe.
No primeiro dia, ele passou o dia inteiro trancado no quarto junto comigo, olhando para as paredes, tentando me ignorar, até que a Sra. Smith bateu em sua porta, com aquele maldito sorriso, e lhe disse que Benjamin se oferecera para apresenta-lo ao bairro. O primeiro pensamento de Nick foi negar e voltar à cama, mas ao vê-la parada à porta, cheia de expectativa, ele aceitou.
Um ponto a menos para mim.
Contudo, o “passeio” não foi tão ruim. Benjamin não era tão ruim, apenas mais um adolescente comum. Ele mostrou o bairro e algumas localizações importantes, apresentou os vizinhos e foi basicamente isso. Benjamin era muito falante, e irritante, sempre com um comentário a acrescentar sobre alguém ou uma história para contar. Confesso que as histórias, ao menos, me animaram, sempre fui muito curioso. Nick não pareceu prestar atenção em nada do que Benjamin disse, mas, ao voltarem para casa, ao por sol, Nick, de repente, sentiu-se interessado.
Tudo pela maldita garota.
No outro lado da rua, uma garota saia de um carro, usando óculos escuros e fones de ouvido. Quase não se via de seu rosto, além de sua pele branca e lábios vermelhos. Nick, provavelmente, está a encarando por tempo demais, que até Benjmin nota.
— Selena. — as palavras escapam dos lábios de Benjamin ironicamente. Ao ouvir o nome desconhecido, Nick se vira para encara-lo. — Interessado? Se você for lá agora, imediatamente ela fica de joelhos para te chupar. É o que putas fazem.
O problema é que Nick está interessado.
Dois pontos a menos para mim.


Duas semanas antes.

O primeiro dia no colégio é um inferno. Minha presença nunca esteve tão forte. Nick, por ser o único aluno a se transferir 2 meses após o início das aulas, é o centro das atenções.
O garoto novo, órfão, e que mora com o Benjamin. 
As pessoas nunca o chamam por seu nome.
E, é claro, como em todo clichê adolescente, ela está aqui.
Selena.
Eles se veem de vez em quando. A este ponto, ela já reconheceu sua presença como o cara-que-está-morando-com-os-Smith, mas mantem-se indiferente, sem lhe dar importância.
Nicholas está ainda mais interessado. Ele logo descobre, porém, que Selena tem uma má reputação. Como lhe dissera Benjamin, certo dia, depois da aula:
— Todos do time de futebol já foderam ela. Selena é a maior vadia dessa cidade.
Nick tem suas dúvidas, duvidas estas que se dissipam completamente quando ele, escondido sob as arquibancadas do ginásio, vê Selena passar correndo, chorando.


Sábado, 8 pm.

Um fato engraçado: sempre que Nick via Selena pelo colégio, ela parecia estar na merda. Dessa vez, não foi diferente. Ele havia se arrastado da casa dos Smith até o colégio para “participar”, muitas aspas em participar, por favor, do festival de arte do semestre. Os alunos ditos “artistas” se reuniam pelas áreas do colégio para apresentar seus mais novos portfólios aos outros alunos, professores e pais. O festival também conta com comida, música e todas essas merdas que não são importantes para a história. E que eu não dou a mínima.
Desconfio que a única razão pela qual Nick saiu de casa foi para tentar me ignorar, de novo. Em todos esses anos de convivência ele nunca aprendeu que é justamente quando ele está cercado de pessoas que minha presença se torna mais viva e poderosa.
Pobre Nick.
Pois bem, conhecendo-o, eu sabia que ele tentaria se manter afastado de tudo o máximo que pudesse. Ele até cogitou tentar conversar com os alunos e discutir suas obras, mas resolveu só ficar quieto, observando.
É uma noite fria.
Quando ele já havia visto quase tudo, suas pernas começaram a andar no modo automático, ele já não tinha mais concentração. A única coisa que sabia é que não podia ir embora, não ainda.
Vagou solitário pelos corredores, muita coisa ainda lhe era desconhecida, até que chegou ao campo de futebol. Era imenso, o triplo do de sua escola anterior. Toda aquela imensidão o fazia se sentir pequeno demais. Mais do que o normal.   
Ao longe, Nick pôde ver uma silhueta, a harmonia entre sombras e formas que ele conhece bem. Sentada no meio do campo de futebol, Selena tem a cabeça virada para baixo, com um cigarro em mãos.
Nick permanece parado por uns 5 minutos decidindo se deveria se aproximar ou não, se valia a pena falar com ela ou não, se perguntar se ela estava bem era algo aceitável ou não. Com uma respiração profunda, ele acalmou os nervos e caminhou até que a figura de Selena se torna nítida.
— Isso é uma boa ideia? — ele diz, tentando ao máximo não surtar e sair correndo da situação desconfortável que é a interação humana.
Instantaneamente, Selena levanta a cabeça, seu estado é deplorável.
— O que você quer?
— Ah, o cigarro... Os professores... — ele tenta recuperar a coragem para se explicar, mas ela já foi embora, em seu lugar, uma velha amiga faz o coração de Nick bater forte e seus ossos tremerem. — Desculpe...
Um silêncio se faz presente, mas não para mim. Eu ainda consigo ouvir os batimentos de Nick se tornarem cada vez mais altos e rápidos.
Selena dá uma tragada no cigarro, mas eventualmente, o apaga e com um dar de ombros, murmura:
— Você tem razão.
Nick respira, um pouco mais à vontade.
Está tudo bem. Ele tenta convencer a si mesmo.
Não, não está. Lhe digo o contrário.
— Me desculpe... Eu... vou embora- te deixar sozinha...
— Você é o garoto que está morando com os Smith, certo? — ela o interrompe, seu olhar perscrutador nunca deixa Nick em paz. 
Ele já ouviu aquela pergunta um milhão de vezes e ela sempre causou certo nível de irritação. Eu tenho um nome, porra! Ele quer gritar, mas as palavras mantem-se presas em sua garganta. Todavia, quando Selena as disse, ele conformou-se. Nick já está acostumado a ser só mais um garoto, uma estatística. É a pura verdade.
— Você vive me encarando. — ela continua, ignorando sua falta de resposta. — Nas aulas, no colégio, até mesmo pela janela do seu quarto.
Ao ouvir este último, Nick arregala os olhos.
— Como?
— Eu sou muito observadora... — seus olhos pareciam devora-lo vivo.  — O que você quer?
Sua pergunta pode parecer vaga, mas seu tom é sugestivo, eles sabem muito bem do que estão falando.
— Você tem o costume de achar que todo mundo te olha por que quer ficar com você?
— Eu não acho. É o que acontece.
Silêncio.
— Você quer ficar comigo?
— Não.
— O quê?
— Eu te acho bonita, gosto de seus traços. É isso.
Silêncio.
— É, eu não sei lidar com isso.
— O quê?
— Eu costumo usar minha boca para outras coisas.
— Então é verdade?
— O que você acha?
— Eu não sei. Não te conheço.
— É verdade... Fiz tudo o que falam. Mas eu não me importo.
— É?
Silêncio.
— Não.
— Se você diz...
Nick se senta ao lado dela.
Silêncio.
De repente, Selena se inclina para beija-lo, Nick recua, assustado.
— O que está fazendo?
— Eu sei que você quer isso. Todos os caras querem. Eu sei.
Ela tenta abrir as calças dele, e já estava quase conseguindo quando Nick se levanta.
— Pare com isso! — ele diz, alto o suficiente para ela congelar, olhos fixos nos seus por alguns segundos até irromperem em lágrimas.
— Desculpe. — ela diz, soluçando. — Desculpe...
E com outras dezenas de desculpas e mais alguns “está tudo bem”, eles passam a noite de sábado juntos.
3 pontos a menos para mim.


Segunda-feira, 8 am.

No fim da primeira aula, Selena vai falar com Nick em seu armário.
— Oi. — ela diz, sorrindo.
— Oi...
— Eu só queria... agradecer, sabe? Você foi bem bacana comigo no sábado e eu... só queria agradecer... Eu ia mandar mensagem, mas achei que seria melhor falar pessoalmente...
— Ah... Ok...
— Então, com quem você vai almoçar? Podia vir para minha mesa, se quiser...
— Ah...
Todos os olhares estão sobre ele. Sussurros. Risadas.
— Você está bem?
Silêncio.
— Nick?
— Me desculpe... Eu tenho que ir.
E ele sai correndo, deixando-a parada em frente ao seu armário sem entender nada.
3 pontos a mais para mim.


Segunda-feira, 9 pm.

Eu vou me arrepender disso, Nick pensa, respirando fundo.
Sim, você vai. Eu o digo. Por isso mesmo, você deveria voltar, agora, enquanto há tempo. Por um momento, eu sinto que quase consigo convencê-lo a desistir daquela ideia estupida e dar meia volta, mas então a porta é aberta. Uma senhora de meia idade – nada simpática – está trás dela.
— Ah... boa noite! Selena está? — ele pergunta a senhora e xinga-se logo em seguida. Que tipo de pergunta foi essa? Eu deveria me apresentar e explicar o porquê estou aqui e não simplesmente chegar na casa dos outros e exigir coisas... Eu não posso...
Mas a senhora simplesmente diz:
— Lá em cima.
E lhe dá as costas. Nick fica alguns minutos parado, incerto, mas entra.
O que você pensa que está fazendo? Não vê que isso é perda de tempo?
— Cala a boca! — ele murmura, o tom firme demais para o habitual.
Nick me mandou calar a boca?
Ele sobe as escadas, sem prestar atenção no ambiente ao seu redor. Ao chegar no primeiro andar, ele se depara com um corredor extenso, duas portas em cada parede. Só aí ele percebe que além do primeiro andar, ele não tem mais nenhuma informação sobre qual seria o quarto de Selena.
Parabéns, Nick. Você está indo muito bem.
Ele, mais uma vez, consegue ignorar o meu comentário e resolve tentar a sorte.
— Aquela última, talvez?
Sem nada a perder, ele segue até a última porta da parede esquerda. De frente a ela, sua coragem novamente tenta desaparecer, mas ele se agarra ao último resquício que tinha dentro dele e bate na porta. Seu primeiro toque é ignorado, ele tenta de novo e é recebido quase que imediatamente por um grito:
— Eu já falei que não vou jantar, vó-
Selena pausa quando abre a porta e vê Nick, sua face se endurece.
— O que você quer?
Nick está preparado, ele respira fundo e relembra de todo o monologo que criou em sua cabeça no momento em que Selena pulou a janela do quarto na casa dos Smith.
— Eu não sou muito bom em lidar com pessoas, está bem? Quando são desconhecidas, é mais fácil para mim, porque eu não tenho que ter nenhuma responsabilidade, sabe? Mas, a partir do momento em que elas tentam chegar perto, eu surto porque eu já não sei o que fazer. E foi o que aconteceu hoje... é isso.
Ok, isso saiu bem pior do que eu pensava.
Selena suspira.
— Jesus, eu só te convidei para almoçar... não foi um pedido de casamento...
— Eu sei, eu sei...
Selena suspira de novo, passando a mão no rosto, e as descansando na cintura.
— Entra, Nick.
— O quê?
— Eu preciso repetir?
Parecia ter se instalado algum tipo de paz momentânea no ambiente, e para não a perturbar, Nick aceita e entra no quarto, observando Selena fechar a porta. Ele acaba parado ao lado da porta, desconfortavelmente, seus olhos nunca deixam de seguir Selena que anda sem rumo, as mãos apoiadas na cintura.
— Sabe aquela conversa que tivemos? Depois que eu tentei te assediar? Ela me fez refletir muito e eu comecei a perceber algumas coisas. Por exemplo, eu cogitei que talvez nem todos os caras fossem uns babacas que só querem sexo só porque você é uma exceção, um cara legal. E conversar com você naquele dia me fez bem. Porque foi a primeira vez que fiz algo assim. Eu tenho muitos problemas na minha vida que me fodem para caralho e dá para notar que você também tem. Por isso eu pensei: talvez ele só precise de um amigo. E, sei lá, eu também não sei lidar com essas coisas, então tentei do meu jeito... Quando você me rejeitou, eu me senti da mesma forma que me sinto sempre que estou com um cara, ele me fode e então vai embora. Por um momento, eu tenho atenção, eu sinto os toques na minha pele e minutos depois, eu não tenho nada. Fico vazia. — pausa — Talvez tudo não precisasse ser tão triste se eu tivesse alguém para contar... Sei lá! Eu tô falando muito?
Ela para de andar de um lado ao outro e se aproxima da cama, jogando-se sobre ela e brincando com o babado de seu travesseiro. Envergonhada demais para falar algo, de novo.
— Você deve achar que eu sou intensa demais, né? A gente se conhece há um dia e eu já estou jogando as minhas merdas em você...
— Não, eu só... não pensei que você se sentisse assim...
— É. Ninguém pensa.
— Eu não sei o que dizer agora...
Selena deixa o travesseiro de lado, focando a atenção em Nick, e pergunta, de forma firme:
— O que você acha de mim?
— Eu já disse... Não te conheço, mas acho que você tem traços bonitos.
Isso é o suficiente?
— Não acha que sou uma puta louca?
— Acho que você é uma pessoa... tentando lidar com suas emoções como qualquer outra.
— É, talvez eu seja...
— Eu quero ser seu amigo, Selena. De verdade.
— Verdade?
— Sim.
Ela suspira, os dedos alcançando novamente o babado do travesseiro. Em sua presença, Selena sempre consegue se mostrar vulnerável, ao contrário da personagem que ela é no colégio.
— Talvez um dia eu possa te contar por que eu faço o que faço. Não hoje. Não amanhã. Um dia. Você é uma pessoa legal, Nick.
O coração de Nick bate forte em seu peito, mas não porque seus sentidos lhe alertam o perigo, Nick está à vontade. Selena era fascinante, mas ele não sabia bem o porquê. No momento em que a viu, ele quis estar perto dela, conhece-la. Para ele, Selena era muito mais do que uma menina com uma má reputação. Ela era uma pessoa, assim como ele.
Nick não era só mais um menino órfão, ele era Nicholas Jonas, uma pessoa real.
— Talvez um dia eu te conte a minha história também. — ele diz, o tom suave se aproximando da cama de Selena e sentando-se na borda.
— Você promete?
— Eu prometo.
Nick sabia muitas coisas. O amor não era uma delas, mas é o que dizem, certo? Ninguém nasce sabendo. Para se chegar até o Z, é preciso começar pelo A, e então passar por todas as outras letras do alfabeto. Talvez, ele ainda esteja aprendendo o B, mas para quem esteve durante toda a vida preso ao A, esse pequeno passo já é uma grande mudança.
Ele só precisa se permitir.
E, talvez, eles possam fazer essa coisa funcionar, o que quer que ela seja, pois nesse momento, nasceu algo muito maior do eu jamais serei, a promessa da esperança, que me marca, me queima e me sufoca.
10 pontos a menos para mim.
Eu acho que o meu tempo com Nick chegou ao fim.

Escrito em 2017 para um projeto aqui no blogger, criado pela Thaysa (dor da liberdade).

o paraíso ilícito

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Naquele bairro sem nome vivia um velho bêbado. 
O bairro era famoso por seu engenhoso tráfico de drogas e prostituição. O lugar era pobre e em cada esquina você se deparava com uma casa de prostituição aonde jovens meninas e meninos faziam serviços a fim de ganhar dinheiro para sobreviver por mais um dia.
As pessoas, por sua vez, eram viciadas, prostitutas e pobres coitadas que até pelo diabo foram rejeitadas. O bêbado não se encaixava em nenhum caso. Talvez estivesse próximo dos viciados já que não fazia nada além de beber, afogava-se em álcool, perdendo toda a sua sanidade. Mas não, ele não era louco. Muito pelo contrário, o bêbado era a pessoa mais inteligente do Paraíso Ilícito, ninguém só não sabia porque ele bebia tanto. 
O velho bêbado também não tinha nome. Assim como seu bairro, ele era conhecido por sua característica mais marcante, o vício insaciável por bebidas alcoólicas.
Todas as manhãs, exatamente às 6:30, ele debruçava-se sobre o parapeito de sua janela com uma garrafa de whisky barato (e furtado) em mãos. Ele tomava um gole e observava as pessoas andarem pelas ruas e lhe encararem, olhares curiosos tentando desvendar o velho enigmático. Ele ficava ali, naquela mesma posição o dia inteiro ora bebendo, ora fumando.
Naquele dia, ao anoitecer, exatamente às 18:00, o bêbado já não estava mais debruçado por sua janela. Ele abriu a porta de sua humilde casa e sentou-se no degrau da escada e ficou a observar o curto fluxo de pessoas. Ele colocou a garrafa vazia de whisky no chão e acendeu um maço de cigarro, o tragou devagar e soltou a fumaça na direção da lua que estava linda e brilhante, mas incompleta, faltava uma metade.
Quando estava prestes a terminar seu cigarro ele notou um garoto escondido pela penumbra da noite atrás de um poste. Observo-o curioso, indagando-se o que estaria ele fazendo ali. Mas nada fez. Depois de alguns minutos, notou que o garoto continuava ali a o encarar, inquieto. Ficaram os dois então se encarando, sem dizer uma palavra até que o menino quebrou o silêncio entre os dois.
— Aqui é agradável à noite. — diz ele, revelando-se e o velho só o respondeu para não parecer mal-educado.
— Sim, mas eu não saio muito. Hoje é uma exceção.
O garoto se aproximou, um capuz cobria sua cabeça e ele tinha as mãos enterradas no bolso da calça como um adolescente. Pouco se via de seu rosto devido à má iluminação da rua e a visão do velho já não era a das melhores.
— Eu gosto de como a lua ilumina as ruas silenciosas, isso me traz paz.
O velho, por algum motivo desconhecido, talvez por causa do álcool em seu sangue que o tornava um bêbado melancólico, interessou-se pela conversa.
— É por isso que está aqui? Você procura por paz? É irônico dizer isso no Paraíso Ilícito, se tem uma coisa que essas pessoas não têm é paz.
— Eu apenas gosto da noite. Por que você está aqui então?
O velho suspirou, arrastou o traseiro pelo degrau e sinalizou com as mãos para que o garoto sentasse ao seu lado. O menino não hesitou, sentou-se ao lado do velho e esperou que falasse.
— Me deixe lhe contar uma história, criança. Há muito tempo havia esse professor, ele era muito inteligente e renomado. Entrou na faculdade com 16 anos e aos 28 anos já tinha tudo. Ele era convidado para palestrar em muitos países e tornou-se bem-sucedido muito rapidamente, casou-se com uma mulher linda e ele foi feliz por um tempo. Mas, como nem tudo são flores, ele começou a desandar. Era inteligente, mas não lidava muito bem com o estresse e então bebia para relaxar. Pelo menos essa foi a sua desculpa. Passou a beber mais e mais e quando sua esposa percebeu e começou a falar, ele a calou. Toda vez ele a calava com um tapa em seu rosto que a fazia se encolher de medo e a deixava sem coragem para olha-lo nos olhos por dias. Eles tiveram um filhinho, um lindo menino que ao ver o pai levantar o dedo para mãe, se metia entre os dois e apanhava por ela. Eles viveram assim por seis anos até que num dia como esse houve uma grande briga. A esposa ia embora e ia levar o menino com ela. O marido enfurecido não gostou nada disso, então agarrou a esposa e o filho e os enfiou no carro, saindo pelas ruas, dirigindo sem rumo e em alta velocidade. Ele ouvia os gritos da esposa e o choro do menino, mas a raiva dentro de si era tão grande que ele calou os dois com alguns socos. Logo não havia mais gritos e nem choro, logo não havia mais esposa e nem filho. O carro capotou, mas ele conseguiu se salvar. A esposa e o filho morreram e aquela noite foi a sua ruina. Ele perdeu sua família, sua dignidade e o seu futuro.
O velho contou a história com uma expressão vazia, ele tossiu um pouco e sorriu triste. O garoto escutava a história atentamente e ao ouvir o velho terminar, perguntou:
— Por que me conta isso?
— Bem, eu apenas quis lhe contar uma história, criança. Estávamos falando sobre paz, certo? Será que esse homem teve alguma paz?
— Espero que não. Ele não merecia, na verdade ele quem deveria estar morto e não a pobre esposa e a criança.
— Pode ter certeza que ele não teve uma vida fácil ou que sentiu alguma paz. Desde aquele dia ele se afoga na bebida, motivo pelo qual sucumbiu. Não existe mais esperança para ele, criança. Igual a esse bairro... Será que existe esperança aqui? Será que a vida das pessoas algum dia mudará? Elas estão fadadas ao esquecimento. Cada geração que nascer neste lugar já terá seu destino escrito, irão viver lutando e só morte poderá os libertar. Morrerão e serão esquecidos, suas vidas não têm valor. Igual ao professor, ele poderia ter tido uma vida brilhante e feliz, poderia ter feito uma diferença. Mas ele pecou e agora também será esquecido, como todos os moradores do paraíso ilícito. — O velho riu, abaixando a cabeça e balançando-a para os lados negativamente. Era tudo cômico para ele, o garoto não entendia.
— Você está errado! — O menino disse com certeza, o que fez com o que o velho arqueasse uma sobrancelha, surpreso por estar sendo contrariado.
— Estou? — Perguntou quase para si mesmo.
O garoto olhou para a lua e fechou os olhos que repentinamente pareciam pesados.
— Eu vou completar a sua história. Após o professor salvar a si mesmo e fugir, a mãe acordou e desesperada, conseguiu abrir a porta e empurrar o garotinho para longe, mas não teve tempo para salvar a si mesma e morreu quando o carro explodiu. O garotinho acordou sozinho, no meio do nada ao lado das chamas. Ele cresceu em orfanatos e era adotado por famílias horríveis, então ele fugia. Sempre que tentava dormir à noite, ele sentia o pai lhe espancar e ouvia o soluço suave da mãe. Ele só sentia paz quando a imaginava como uma estrela que o guiava e cuidava de si, mas as estrelas só apareciam a noite. Ele prometia a si mesmo que quando encontrasse com o maldito homem que estragou a sua vida, ele o mataria e somente assim ele encontraria a verdadeira paz que só a vingança podia lhe trazer.
O garoto viu o olhar do velho cair, mas ele se manteve firme.
— Eu imaginei que esse dia chegaria — o velho confessou, esfregando as mãos ásperas uma a outra.
— Já faz tanto tempo.
— 13 Anos. — O garoto disse com frieza. — Eu vim aqui com um proposito e eu desejo cumpri-lo.
O velho o olhou triste e disse:
— Nós vivemos em um mundo de deuses e monstros, você decide quem quer ser. Eu decidi ser um monstro e me arrependo até hoje. Só eu e minha garrafa de whisky sabemos como é doloroso. — O velho bêbado, e agora professor-pai, suspirou com melancolia. — Mas foram longos 13 anos sozinho, nessa casinha, enchendo a minha cara, tentando esquecer. Então faça o que veio fazer, não irei impedi-lo.
O velho levantou-se com dificuldade, pegou a garrafa vazia de whisky e contemplou a lua mais uma vez. Seu olhar se encontrou com o do garoto e ele lhe disse, a voz clara e firme:
— Bem-vindo ao Paraíso Ilícito.
O velho então se arrastou para dentro de casa. O garoto o seguiu, segurando um embrulho nas mãos. A lua continuava a iluminar, ainda incompleta, as ruas e as estrelas brilhavam. Tudo estava silencioso até que um disparo foi dado.

Escrito em 2016 para uma atividade de português.